Na Antigüidade o Ser Humano não conseguia explicar a Natureza e os fenômenos naturais (e parece-me que ainda hoje não compreende nem consegue explicá-los da mesma forma). Então, dava nomes ao que não podia explicar e passava a considerar os fenômenos como "deuses". O trovão inspirava um deus, a chuva outro. O céu era um deus pai e a terra, uma deusa mãe e os demais seres, seus filhos. Criava, a partir do Inconsciente, histórias e aventuras que explicavam de forma poética e profunda o mundo que o rodeava. Estas "histórias divinas" eram passadas de geração para geração e adquiriam um aspecto religioso, tornando-se mitos ao assumirem um caráter atemporal e eterno, por dizerem respeito aos conflitos e anseios de qualquer Ser Humano de qualquer tempo ou local. Estes núcleos arquitípicos mitológicos recebem o nome de "mitologemas". A um conjunto de mitologemas de mesma origem histórica, dá-se o nome de "mitologia". Aos mitos se uniam ritos que renovavam os chamados "mistérios". O rito torna ato (atualizam) um mito que se faz representar (atuar) em seu simbolismo encarnado nos "mistérios". Ao conjunto de ritos e símbolos que cercam um mitologema dá-se o nome de "ritual". Ao conjunto de rituais e mitos com origem histórica comum dá-se o nome de "religião". À religião sempre se unem preceitos ético-morais chamados "doutrinas religiosas", compostas por proibições a ("tabus") e ídolos ('totens"). Assim nasceram os deuses.
Todos os povos da terra, seja em localização no tempo e no espaço estiverem, todos sempre tiveram uma religião, composta de diversos ritos e mitos. Parece que a religião é uma necessidade imperiosa do Ser Humano e, em culturas em que a religião e suas manifestações estão proibidas ou desuso (como no comunismo, por exemplo) observa-se sempre a "eleição" inconsciente de "deuses" extra-oficiais que, num processo idólatra, procuram preencher as lacunas deixadas pela tradição religiosa. Na atualidade, o afastamento de nossa sociedade das tradições religiosas está gerando um duplo fenômeno idólatra: a iconificação de figuras tais como cantores e atores famosos e o fanatismo religioso em seitas e pequenas igrejas. Definitivamente não se pode viver sem ídolo, sem uma religião e sem seus mitos e ritos.
Porque Mitologia Grega
Há dois principais motivos que fazem da Mitologia grega a mais estudada das mitologias: sua racionalidade e sua importância histórica como base da Civilização Ocidental. Diz-se que os gregos antigos possuíam um "gênio racional", uma mente lógica por excelência. Esta "mete lógica"adaptou os mitos pré-existentes às necessidades da razão. Assim, absurdos foram corrigidos e coerência foi imprimida à Mitologia. Por exemplo, as religiões persas acreditavam que o Universo era fruto da guerra do Bem contra o Mal, da guerra dos seres da Luz contra os seres das Trevas e que a vitória daquela sobre estas dependia diretamente da execução de determinados rituais. Isso na prática quer dizer que os persas acreditavam que se sacrifícios não fossem feitos, haveria o sério risco do Sol não voltar a nascer pela manhã e de que as Trevas Eternas se abatessem sobre o planeta. Os gregos jamais se permitiriam aceitar tamanha ilogicidade e se viram obrigados a criar uma visão de mundo cujas leis fossem estáveis e confiáveis. Era evidente para o "gênio racional" grego que o Sol nasce a partir de uma força intrínseca a ele e ao Universo e não na dependência das ações humanas. Apareceram então os conceitos de "Ordem do Mundo" (Kosmos) e de "Natureza" (Physis), que os afastou das "trevas" da incerteza e da ignorância. O "Chaos" cedeu lugar ao "Kosmos" e nele reina necessariamente uma natureza lógica, previsível e estável. Apesar de ainda existirem inúmeras religiões, inclusive o Judaísmo e o Cristianismo, que se baseiam nas noções persas de um universo caótico na dependência dos atos humanos, foi dos conceitos de Kosmos e de Physis que surgiu a cultura ocidental, a Filosofia e a Ciência.
Com o passar do tempo, a racionalidade grega foi superando a noção de religião e tornando-se de sacra em laica. Pela primeira vez na História apareceu na Grécia Antiga, na região da Jônia (atual Turquia) um pensamento laico puramente lógico e desvinculado totalmente da idéia do sagrado. Estes primeiros filósofos jônicos (pré-socráticos) nada mais fizeram do que transpor ipsis literi a Mitologia Grega em Filosofia. Mais tarde Aristóteles em Atenas explicaria a gênese do pensamento filosófico da mesma maneira como se explica a gênese do pensamento mitológico: "é através do espanto que os homens começam a filosofar". Os filósofos sempre tentaram explicar a Natureza e seus fenômenos, caindo inevitavelmente em contradições e as de seus companheiros de profissão. A Filosofia expandiu e acabou englobando áreas para muito além da descrição da Natureza e seus fenômenos, incluindo em si o estudo do Ser Humano e todos os fenômenos relacionados a ele e ao seu pensamento. No entanto, as contradições entre os filósofos continuariam a afligir o espírito humano por séculos, quer em relação aos métodos, quer em relação às teorias, quer em relação aos fenômenos. A Filosofia incumbiu-se finalmente de "assassinar" os deuses de onde havia nascido, afirmando que os deuses não passavam de alegorias místicas para as forças da Natureza que requeriam uma explicação lógica e jamais religiosa. Se os deuses existissem, eles seriam, tal qual os mortais, constituídos por átomos e submetidos às implacáveis e imutáveis leis naturais.
No Renascimento, Galileu Galilei foi o primeiro a levantar a necessidade de que se provassem as teorias filosóficas através da experimentação. A Filosofia então passaria lentamente a tornar-se obsoleta e cederia seu lugar à Ciência. René Descartes rompe com o passado e inaugura sua visão de mundo em que as tradições filosóficas já não mais queriam dizer nada. O Ser Humano passou a procurar desesperadamente provas concretas e experienciáveis (reprodutíveis) de que suas teorias são de fato. Nasceu o Método Científico e com ele um importante passo em direção à laicização do pensamento foi dado. Atualmente a Ciência é bastante confiável e goza de largo crédito junto ao público especializado e leigo, ao passo que as explicações filosóficas estão, digamos, um tanto "fora de moda". Quando se diz hoje em dia que algo é "científico", a maior parte das pessoas entende de que se trata da mais pura e irrefutável verdade, quando, de fato, deveria entender de que se trata de um resultado obtido através do Método Científico, ou seja: da tentativa e erro e da experimentação. Se já existem "narizes torcidos" para as idéias filosóficas quando confrontadas às idéias científicas, as idéias mitológicas como explicações para os fenômenos naturais estão totalmente fora de cogitação hoje em dia e beiram o absurdo. A laicização do pensamento é tal que há quem diga que os mito formam um conjunto que deveria receber o nome de "MINTOlogia"(!).